sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

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6 de agosto de 2005, às 17h46 
Achar o anel perfeito para Nicole não foi tarefa difícil. Sempre que passávamos em frente à joalheria da cidade, ela apontava para a mesma joia na vitrine. Decidida do jeito que era, não mudaria de opinião tão rápido. Aquele seria o anel perfeito para selarmos a nossa união.

6 de agosto de 2005, às 19h03 
Consigo até imaginar sua expressão de surpresa ao descobrir do que aquilo se tratava: o noivado com que tanto sonhou.
Ao chegar em casa, no entanto, percebo que algo está errado.
- Nicole, aonde está indo? – indaguei, ao vê-la arrastar uma mala em direção à porta.
- Vou embora. Sinto muito por tudo. – respondeu, sem dirigir o olhar para mim.
- Embora? Embora para onde?
- Sabe, você é um cara legal. E fez muito bem para mim, por um tempo... mas agora preciso de alguém que me dê o que você nunca pode me dar. – ela olha o anel que exibe na mão direita.
Ela estava me deixando por outro. Assim, de repente. Ao ouvi-la fechar a porta, sinto o vazio do apartamento invadir meus sentimentos. Como ela pode ser tão cruel? Me iludindo dessa maneira, me fazendo pensar que estava tudo bem. O vazio começa a ser preenchido por um único sentimento – a raiva. É incrível como as coisas que passamos anos construindo podem desmoronar em poucos segundos.

7 de agosto de 2005, às 7h25 
Não é fácil dormir quando se tem tantas coisas na cabeça. Passei a noite em claro, o que me deu tempo suficiente para decidir o que fazer. Dentre as possibilidades, apenas uma me satisfazia – e seria concretizada nesta noite. Meu corpo, mesmo sem dormir, não demonstra sinal algum de cansaço. Levanto-me da cama. Não há tempo a perder.

7 de agosto de 2005, às 19h34 
Espero Nicole sair do trabalho e a sigo até sua nova casa. Ela aparenta estar tranquila, como se não tivesse destruído uma vida – a minha vida – na noite passada. Ao entrar na casa, é recebida com abraços de um homem. Aquilo é mais do que consigo aguentar. Sem pensar duas vezes, saio do carro e vou ao encontro dos dois, que rapidamente trocam seus sorrisos por expressões de incredulidade.
A situação impede que qualquer um de nós fale alguma coisa. Adianto-me e seguro a mão de Nicole, retiro seu anel e o jogo para longe. Sem soltá-la, tiro do bolso a joia que eu havia comprado para ela.
- Nicole, aceita casar-se comigo? – pergunto, oferecendo-lhe o anel, sem esperar por uma resposta. – na alegria e na tristeza...
Ela tenta se esquivar, mas aperto seu braço com mais força.
- Na saúde e na doença... – coloco o anel em seu dedo. Retiro a arma do bolso e aponto na direção de Nicole.
- Até que a morte nos separe.

O pequeno doador de esperanças

        Já era tarde da noite, estava tudo muito quieto e escuro naquela praia. Aylan estava com sono e pedia para que sua mãe o colocasse para dormir. Ela o acalmava, sussurrando que, assim que entrassem no barco, ele poderia descansar.
      O menino não entendia o que estavam fazendo, àquela hora, no litoral. Ele ouvira conversas de seus pais sobre uma fuga clandestina, mas não sabia o que isso significava. “Aonde estamos indo, mamãe?” indagou o pequeno, enquanto caminhavam em direção ao mar. “A um lugar em que não há bombas, nem guerra, nem violência” respondeu a mãe.
Aylan, seus pais e seu irmão entraram em um pequeno barco, que também carregava outras famílias. Logo que começaram a viagem, o garotinho adormeceu. Sonhou com as palavras de sua mãe: Um lugar bonito e tranquilo, sem barulhos que o acordassem durante a noite, sem fome, sem dor.
      No entanto, seu sono durou pouco. Sentiu suas roupas molharem, ouviu gritos de desespero. Tudo aconteceu de repente – o barco começou a inundar, as pessoas ficaram apavoradas e todos afundaram no oceano. Seu pai o agarrou, junto com os outros membros da família, mas Aylan escorregou de seus braços, submergindo completamente.
Quanto mais se debatia, mais afundava – e o garotinho não sabia mais o que fazer. Perdido e quase sem forças, o pequeno entregou-se de vez ao oceano. Ele sentia a água adentrando seus pulmões, percebia sua visão perdendo a nitidez. Foi quando avistou, na superfície, um lugar exatamente como o que sua mãe descreveu. Muito bonito, sem guerras ou violência. Ouviu o som de crianças brincando e desejou juntar-se a elas. Sua mãe, segurando o irmão no colo, apareceu ao seu lado, estendendo a mão para o filho. Juntos, nadaram em direção àquele mundo perfeito.
        Alguns dias depois, o corpo do garotinho foi encontrado por policiais em uma praia. O mundo todo ficou comovido com sua morte. Mas ninguém podia imaginar as coisas lindas que ele vira, e a felicidade que sentira ao perceber que, finalmente, havia encontrado a paz que tanto desejou.

                                                                  Releitura do conto de fadas A Pequena Vendedora de Fósforos, de Hans Christian Andersen.